Clic abaixo para acessar as obras

 

A pintura de natureza-morta (com temática de arranjos de frutas, legumes e utensílios domésticos) surgiu como um gênero mais simplório, no início do Barroco, derivado das pinturas que representavam cenas religiosas em cozinhas populares. Outros temas que ganharam autonomia nesse contexto do século XVI foram as Pinturas de Gênero e as Paisagens, depois as temáticas de vasos e grinaldas de flores e abates da caça. Por mais que existam registros anteriores de pinturas com estas temáticas - como em murais da Roma Antiga -, é no Barroco que elas adquirem destaque enquanto categoria independente. Mas foi apenas no século XVIII, em meio ao surgimento da disciplina de estudo científico História da Arte, que estes foram considerados "gêneros" de pintura.

No século XVII a natureza-morta era considerada de menor importância (em relação às pinturas históricas, mitológicas e religiosas) e tinha um menor preço no mercado. Era vista como pintura apenas decorativa e, mesmo nos lares dos Países Baixos mais humildes, ocupava os cômodos de menor importância.

Como sua origem deriva da pintura religiosa, a natureza-morta passou a funcionar como metáfora moralizante dentro da cultura católica: a fruta que é bela por fora, mas apresenta indícios de podridão interna; ou apenas uma fruta que ostenta uma beleza tentadora e perigosa; ou até mesmo por causa da simbologia cristã de alguns alimentos – como vemos em Cristo na casa de Marta e Maria. Esta conotação esteve presente principalmente na Espanha e na região flamenga (parte sul dos Países Baixos, que estava sob domínio espanhol católico).

Reafirmando este conteúdo moral, mas já não tão específicos da cultura católica, outros objetos e personagens foram colocados nas composições, como um gato faminto que deseja um peixe fresco estrategicamente colocado, ou caveiras (ver Ciclo da Vida) e livros (ver Biblioteca), que lembravam o fim do homem e a importância da conquista do conhecimento e da sabedoria. Atuavam como contraponto à vaidade, que muitas obras deste gênero exaltavam.

Na Espanha o gênero foi chamado Bodegodes e foi usado como forma de mostrar a destreza técnica naturalista do artista e por remeter, além de aos conteúdos morais, ao misticismo tão valorizado pela cultura da época. A penetração Bodegodes abriu mais uma possibilidade aos pintores que não viviam sob a tutela do rei, de encontrar um público consumidor.

Já na Holanda protestante, que tentava distanciar-se das representações religiosas com a valorização do cotidiano burguês, a natureza-morta não teve ligação explicita com a Igreja católica. Havia ali a ênfase na espiritualidade inerente à realidade cotidiana do indivíduo comum. As imagens da região sublimavam a espiritualidade percebida nas cenas e objetos do cotidiano da época. Isto fica visível no próprio termo adotado na região para este gênero: vida silenciosa.

A partir do século XVIII, na Espanha, a natureza-morta desviou-se do contexto popular de sua origem para servir como registro das condições sociais e do status de sua clientela (classe alta e média). Por essas pinturas podemos saber, por exemplo, que a carne de caça, de porco, o peixe fresco e o seco eram iguarias apreciadas por distintas classes sociais da província de Madri. Em especial o peixe fresco, que deixou de ser enfatizado nas pinturas por seu conteúdo religioso para começar a demarcar o elevado poder econômico do seu consumidor, uma vez que Madri está localizada no centro do país, e o peixe fresco era, portanto, muito mais caro ali do que o seco e, por isto, consumido apenas pela classe abastada.

No final do século XIX e início do século XX, em meio aos ideais modernistas e das tendências formalistas, a natureza-morta voltou a ser vista como em sua origem: um gênero “sem tema”. Pela neutralidade dos “personagens” deste gênero, ele era apropriado para as pesquisas plásticas dos artistas (de composição, cor, figura, etc) sem estar sujeito a cair no sentimentalismo inerente ao tema da figura humana, por exemplo. Por essa razão é que composições com frutas, fruteiras, mesas e instrumentos musicais são recorrentes entre os cubistas. Antes mesmo deles, Cézanne já havia pintado uma série de naturezas-mortas, como Natureza morta com maçãs e laranjas, que vemos na Mansão de Quelícera, introduzindo a busca objetiva de novas concepções estéticas para a arte. Nesse contexto, o naturalismo, uma das características mais marcantes da natureza-morta do século XVII, foi completamente abolido em favor de uma nova concepção de cor, luminosidade, figura e espaço. As caveiras e livros, representados isoladamente, também estiveram presentes nas obras dessa época: Pirâmide de Caveiras, de Cézanne, e Caveira e Natureza morta com Bíblia, de van Gogh. Nestas, por mais que se considere a busca formal presente na arte do período, está bastante visível o cunho simbólico que os “personagens” destas obras tinham para os artistas que as representaram.


Atualização em 30/01/2006.




Velázquez
Cristo na casa de Marta e Maria


Cézanne
Natureza morta com maçãs e laranjas


Cézanne

Pirâmide de Caveiras


Van Gogh

Caveira


Van Gogh
Natureza morta com Bíblia