Durante
a Idade
Média a vida cotidiana não era considerada
uma temática digna de ser representada pela arte oficial. Esta
visão começou a mudar com o naturalismo Gótico
- através das iluminuras
e, especificamente, dos Livros das Horas (ver Biblioteca)
- com a representação de hábitos e costumes cotidianos,
principalmente cortesãos (cenas de caça, passeios no campo)
mas também populares (trabalhos agrícolas, que tinham
uma importância alegóricas
dentro do cristianismo). Nesse mesmo período ressurgia a classe
média, que logo se tornaria o personagem mais freqüente
neste tipo de composição, dando independência às
temáticas ligadas ao cotidiano doméstico.
A importância da burguesia
no cenário social geral foi tão gradual quanto sua aparição
nas cenas representadas, como parte de um processo mais amplo de secularização
da cultura (ver Quarto)
que foi marcante desde o século XV. Nos séculos seguintes,
em meio às investidas da Igreja na Contra-Reforma,
cenas religiosas foram representadas em ambientes de cozinhas populares.
Ainda aqui, a questão religiosa era o centro do conteúdo
dessas pinturas. Um exemplo disso é Cristo
na casa de Marta e Maria, de Velázquez, no qual
a cena religiosa pode até estar representada no segundo plano
da imagem, mas tudo gira em torno dos preceitos religiosos da cultura
espanhola, fervorosamente católica - desde o olhar sofredor e
humilde dos personagens populares, até a escolha simbólica
dos alimentos representados (como o peixe e o ovo).
A partir do século XVII a opulência da temática
cotidiana dominou o quadro e a cena religiosa foi suprimida, dando origem
a dois gêneros que marcaram a arte dos século seguintes:
a Natureza-Morta
e a Pintura de Gênero, destacando personagens populares, ou pelo
posicionamento frente ao cenário ou/e pelas ações
que realizavam, conferindo-lhes uma relativa sensualidade. No
início esta foi vista como um subgênero, e suas obras como
obras "sem tema" - de valor inferior dentro do mercado de
arte.
Este gênero desenvolveu-se mais amplamente na parte norte dos
Países Baixos (atual Holanda), onde não havia uma corte
(uma vez que a região era organizada em províncias), nem
um clero sediado (já que eles adotaram o recém surgido
protestantismo). Sua origem nessa região está associada
às ricas cenas pintadas por Bruegel,
em suas cenas de camponeses em atividades cotidianas, que se tornaram
extremamente influentes entre os artistas da época. A Holanda
de então, habitada por uma próspera população
burguesa, vinha refinando seus modos de vida, seu gosto e se tornando
consumidora fiel de arte. Com suas casas singelas, menores que os palácios
da nobreza do sul dos Países Baixos, que preferiam as grandiosas
cenas mitológicas, religiosas e históricas, eles adotaram
os pequenos tamanhos (telas pintadas em cavalete) para suas pinturas
de temáticas cotidianas e idílicas (ver
Salão de Baile).
Outra característica marcante do gênero, principalmente
na região holandesa, é o extremo naturalismo
que, muitas vezes, chega ao realismo
burguês. Ele está completamente voltado para o homem e
para a natureza, assim como para as cenas e motivos que faziam parte
da existência diária e pessoal: os aposentos das casas,
o pátio, a cidade, a paisagem local, a fachada da rua e, de forma
bastante inovadora e singular, a mulher em suas atividades domésticas.
Conforme Hauser, este gênero "espiritualiza o que é
visível e torna visível o que é espiritual".
Dentre os artistas, destacamos Pieter de Hooch, Gerard Dou e Vermeer,
este último singular por anular o caráter anedótico
freqüente neste gênero, conferindo mistério e profundidade
psicológica aos seus personagens. Por essa razão, ele
é definido como o "pintor do silêncio", da quietude.
É importante observar que, no geral deste gênero, as pessoas
são registradas por suas atividades profissionais ou classe social,
diferente dos retratos,
em que eram retratados como indivíduos (por exemplo, exibindo
objetos particulares, medalhas conquistadas e brasões de família).
Daí a recorrência de cenas da vida cotidiana, de trabalho
e de festas, além das atividades domésticas.
No
século XVIII, principalmente na França, o gênero
adquiriu uma ênfase moralista, pedagógica de virtudes (mulheres
costurando e ensinado, filhos lendo, maridos junto à família
na sala do lar), distanciando-o da espiritualidade latente em seu início.
No final do
século XIX, os temas domésticos ganham força novamente,
em abordagens diversas: no olhar realista de Daumier; no compromissi
social de Os Comedores
de Batata de Van Gogh; nas pesquisas de composição,
cor e forma de Mulher
com Cafeteira de Cézanne.
Atualização em 30/01/2006.