Geralmente
entendemos por "tesouro" objetos confeccionados com materiais
de elevado valor monetário (metais e pedras preciosas, madeiras
nobres e raras, tecidos vindos de regiões longínquas e
tingidos com pigmentos raros) e primor estético. Mas os tesouros
possuem também valor simbólico (coroas, máscaras
mortuárias, taças, móveis, escudos, capacetes,
espadas e cetros de personalidades da história, mantos cerimoniais,
tronos), e são parte importante da memória material de
uma cultura - por isso costumam ser conservados em museus. Nesse sentido,
as obras de arte também podem ser vistas como tesouros. Se esses
objetos são admirados e desejados até mesmo pelas pessoas
comuns, é bastante compreensível que os governantes tenham
praticado o mecenato
com os melhores artistas, encomendando preciosas jóias e reunido
esses objetos que atuavam então como símbolos de poder
- motivo que faz com que, durante as guerras, a pilhagem de objetos
artísticos e tesouros em geral é uma prática comum.
O medo desse tipo de prática fez com que, no preâmbulo
da Segunda Guerra Mundial, os museus de arte das cidades européias
que seriam foco dos ataques alemães esvaziassem suas galerias,
guardando o acervo no subsolo (quando os tinham) ou enviando-o para
regiões consideradas neutras. Como colocou Lynn
H. Nicholas,
chegou-se ao ponto de retirar vidro por vidro dos vitrais
da catedral de Notre Dame, acondicionando-os em caixas bem protegidas,
a fim de evitar sua perda com os bombardeios.
Além de estar ligado ao poder político, os tesouros também
explicitam o poder econômico - quem pode pagar por eles? No caso
específico das obras de arte, viu-se que a partir do início
da Idade
Moderna
a própria burguesia,
desprovida ainda de poder político, praticava o mecenato. Para
Hauser, essa prática mostrou uma identificação
desse grupo com o gosto dos nobres, e foi um meio importante para sua
consolidação social e penetração na atuação
política. Gradativamente, as obras patrocinadas pela classe média
começaram a mostrar, em meio aos temas religiosos, os tesouros
que rondavam o cotidiano das pessoas desse grupo: jóias, sedas,
bordados, ambientes primorosamente decorados, tapetes, mobílias
requintadas. Nos séculos XIII e XIV, os túmulos de nobres,
burgueses e pequenos comerciantes já ostentavam riqueza. A partir
do século XIV os retratos
(gênero puramente secular) traziam símbolos de riqueza
(jóias, tecidos finos, adereços com pedras preciosas,
objetos raros, etc.). Os de nubentes, por exemplo, além de permitir
que os noivos se conhecessem visualmente, tinham a possibilidade de
indicar as condições financeiras e o status social dos
pretendentes através da representação de roupas
e artefatos em geral. A obra que aparece na parede esquerda deste ambiente,
Jovem
com medalha, de Botticelli, pode ser interpretada a
partir dessa idéia. O motivo que levou Botticelli a criá-la
é ainda desconhecido, mas se vê nela um misterioso vínculo
entre o jovem retratado, cuja identidade é desconhecida, e a
família Médici,
uma vez que o jovem segura nas mãos uma medalha com a efígie
de Cósimo de Médici, o Velho. Seria este um retrato de
um aparentado dos Médici para a sua pretensa noiva?
O povo do norte europeu, durante o século XVI, em meio à
Reforma
luterana, manifestou discordância com as práticas luxuosas
do alto clero da Igreja Católica, centralizado no Vaticano. Isso
estimulou a reativação das visões conservadoras,
fazendo proliferar seitas religiosas de caráter moralizante que
davam continuidade às idéias cristãs medievais,
que viam a exaltação da riqueza material com severas críticas.
Bosch, já antes mesmo da Reforma, pertencia a uma destas seitas,
e sua obra Os
7 pecados capitais é um ótimo exemplo
da influência que a cultura da Idade
Média
exerceu sobre a Europa
Setentrional
do século XV. Em A
morte e o avarento, Bosch concentra sua atenção
sobre o pecado da ganância na representação de um
avarento no leito de morte. No primeiro plano da imagem, Bosch representa
o avarento ainda jovem acumulando suas riquezas em um baú - este
objeto foi apropriado pelos criadores deste ambiente da Mansão
de Quelícera, o jogador ao encontrá-lo pode acionar o
monstrinho ganancioso que nele mora.
A representação da riqueza esteve cxontinuamente presente
na arte até o século XIX, quando, em meio ao Romantismo,
os artistas expressaram um desencanto em relação aos valores
burgueses e materiais e voltaram seu interesse para o registro da vida
rural, a fim de simbolizar os valores espirituais através de
um modo de vida mais simples, originário. Esta visão influenciou
posteriormente outros movimentos (como o Simbolismo).
A não-valorização dos bens materiais (uma crítica
ao capitalismo), gradativamente permeou as vanguardas modernas. Esse
foi um dos motivos que as levou às rupturas de cânones
técnicos e da representação, além de, mais
tarde, levá-las a criticar a própria idéia de obra
de arte como algo especial, questionando, assim, seu valor simbólico
enquanto objeto.
Atualização
em 16/01/2006.
Apresentação
do Site do Educador