Este ambiente foi concebido tendo como apoio a composição de uma das quatro peças da obra La historia de Nastagio degli Onesti, pintada por Botticelli para a família florentina de los Pucci. A cena representada na tela é a do momento do banquete de casamento de Nastagio com sua amada. O ritual do banquete, que vai além do hábito diário e familiar de satisfação da fome, é sempre um acontecimento especial. Por esta razão, o excesso alimentar (tanto de comida, como de bebida) é permitido e valorizado no banquete. Pela importância cultural que tem o tema, o banquete ocupou (e ocupa) a atenção tanto de estudiosos da cultura como de artistas, e é por isso que hoje sabemos, por exemplo, que os antigos romanos chegaram a instalar nas casas uma peça especial - o vomitório - onde os convidados dos banquetes podiam esvaziar seus estômagos, repletos das iguarias, para poder continuar o ritual alimentício enchendo-os novamente. A obra Satiricón, de Petrônio, é uma sátira feita sobre estes e outros hábitos da vida romana daqueles tempos que, em uma abordagem mais atual, deu origem a um filme de Federico Fellini.

Durante a Idade Média a gula, assim como os excessos de forma geral, era severamente condenada pela cultura cristã, já dominante. Os excessos eram tidos como restritos aos espaços impuros (populares e mundanos) da sociedade da época, como as tabernas, e contrastavam com os hábitos dos monges e com o modo de vida dos mosteiros, onde os desejos eram contidos e predominavam os exercícios espirituais. Nos mosteiros, atender aos pedidos do corpo era uma forma de desviar a atenção dos valores verdadeiramente belos, provindos do mundo de Deus.

A partir de meados da Idade Média, influências diversas, como as de São Tomás de Aquino, re-valorizaram o mundo terreno, a natureza (Naturalismo) e o homem (Humanismo). O ressurgimento das cidades trouxe consigo a celebração popular urbana do imaginário popular medieval: a festa nas ruas e nas praças foi reavivada, a exaltação da cultura do grotesco. Na passagem do século XV para o XVI, o grotesco se fez marcante também nas imagens artísticas, por exemplo, as criadas por Arcimboldo - um exemplo é o quadro Verão, presente neste ambiente da mansão de Quelícera, composto pela resentação de legumes, frutas e cereais. O grotesco também pode ser apreciado em pinturas de Bosch e Brueguel, que retrataram a cultura popular desse período. A alimentação em excesso, representada através das imagens dos banquetes ou refeições individuais, era um dos temas recorrentes nas obras desses artistas. O genial autor francês François Rabelais (1494-1553) soube como poucos registrar este mundo de abusos alimentares através de sua relação com o riso e com o carnaval. Em seu livro Pantagruel conta, ao narrar o nascimento do herói que dá título ao livro, que do ventre aberto de sua mãe saíam fileiras de animais de carga carregados de sal e de aperitivos salgados, mostrando assim uma forte relação entre as imagens alimentares e as de fertilidade e do crescimento, oriundas da cultura pagã, e presentes no imaginário popular. De fato, o carnaval e outras festividades pagãs desempenhavam um importante papel na vida social daquela época, e a própria Igreja os incorporava a fim de aproximar-se do povo, catequizá-lo e cristianizá-lo.

O excesso alimentar no banquete não esteve apenas na cultura popular, mas também na erudita e entre os homens de poder. Leonardo da Vinci, por exemplo, foi contratado para ser chefe de banquetes na corte dos Sforza, em Milão. Já Ivan, o Terrível (1530-84), surpreendia até mesmo os mais viajados estrangeiros com seus banquetes oferecidos no Kremlin, esbanjando os alimentos mais refinados em enormes travessas de ouro maciço e em taças incrustadas com finíssimas jóias. Na Florença do ano 1466, no banquete comemorativo do casamento de Bernardo Ruccellai com uma das filhas de Piero de Médici, 170 convidados sentaram-se em torno da mesa principal e outros 500 em outras mesas, foram servidos 120 barris de vinho, 3.000 aves de curral e 2.800 pães brancos e, por fim, a recém casada lançou aos convidados cem punhados de pequenas moedas de prata. Até mesmo um pequeno banqueiro da mesma época, sem nenhuma pretensão política, gastou no banquete de casamento de sua filha exatamente um terço do custo anual de alimentar as dez pessoas que viviam em sua casa.

O banquete está vinculado a rituais de várias culturas. No contexto histórico ocidental aqui ressaltado, no entanto, ele foi especialmente exaltado na medida em que plasmava o fim da cultura medieval (teocêntrica) e o início de uma nova época, na qual o homem, em sua vida terrena, era o centro da cultura (antropocêntrica).



Atualizado em 16/01/2006.

Apresentação do Site do Educador




Botticelli
A História de Nastagio degli Onesti



Arcimboldo
Verão