Muito
antes que os homens tivessem a idéia de escrever sobre papiros,
pergaminhos ou tecidos, as bibliotecas da Antiguidade já estavam
abarrotadas de pequenas tábuas de barro cozido com textos. Podemos
considerar que estes são os primeiros livros da humanidade. Mas
foi somente com a invenção do livro impresso, no início
da Idade
Moderna, que a informação passou a atingir
distâncias até então inimagináveis. Hauser
destaca a abertura cultural ocorrida no final da Idade
Média, proporcionada pelo surgimento das primeiras
universidades e ressurgimento das cidades, pelo deslocamento mais freqüente
das pessoas, pela descentralização do conhecimento dos
mosteiros e pelo surgimento de uma cultura secular (ver Quarto),
como propulsora da Idade Moderna.
Até o século XIV, na Europa, o acesso à leitura
e aos livros era exclusividade de uma pequena minoria de estudiosos,
comumente circunscritos ao âmbito religioso, e os escritos eram
geralmente em grego ou latim. São Jerônimo (347-420) destacou-se
historicamente nesse contexto. Ele foi um dos doutores da Igreja Latina
e, versado em grego, latim e hebraico, atuou como secretário
do Papa, revisando e traduzindo a versão latina dos Evangelhos,
fato que lhe rendeu o título de padroeiro dos editores, livreiros
e tradutores. As representações desse personagem mostram-no
em meio a livros: São
Jerônimo em seu estúdio, de Messina, e
São
Jerônimo de Cardeal, de El Greco.
Nesse contexto, as iluminuras
supriam a necessidade religiosa de oferecer aos leigos certos conteúdos
dos breviários dos padres. Isso deu origem, no século
XIV, ao Livro das Horas: um livro de devoções privadas,
repleto de ilustrações, que substituía o saltério
e que era geralmente organizado segundo um esquema que iniciava com
o calendário das festas religiosas e finalizava com preces e
salmos para as diferentes horas e dias da semana. Nesse gênero
se destacaram os confeccionados pelos irmãos Limbourg. No século
XV o trabalho exclusivamente artesanal das iluminuras e cópias
de livros cedeu espaço às novas artes
gráficas. Como coloca Hauser, isso não significou
apenas a consolidação de um método mais barato
e supostamente mais democrático, mas também das formas
mais íntimas, espiritualmente mais apropriadas à classe
média letrada. Os livros passaram a ser escritos nos idiomas
nacionais, impressos mecanicamente e seus exemplares vendidos em estabelecimentos
semelhantes às atuais livrarias. O princípio da mercadoria
impessoal começou a envolver a arte e a literatura.
Até o surgimento do Iluminismo
o analfabetismo preponderava na Europa. Mesmo no século XVIII,
quando houve uma melhora em seu índice, ela atingiu muito mais
os homens e setores sociais privilegiados do que as mulheres e os setores
mais pobres da sociedade. Não é difícil compreender,
portanto, a representação em pinturas do livro como símbolo
de procedência social. Outras vezes o livro aparece como indicativo
de sabedoria ou de domínio do conhecimento letrado por parte
do personagem. É o caso da alegoria
do escravo e fabulista grego Esopo,
ou o retrato do secretário da corte espanhola Don
Diego de Acedo, ambos pintados por Velázquez,
em seu olhar humano e respeitoso. Nas obras Mulher
com livro de música, de Baldung, e A
anunciação, de Weyden, o livro atua como
símbolo da sabedoria feminina, uma vez que, naquele contexto
histórico, o domínio da leitura não era comum entre
as mulheres. Se compararmos a Anunciação
de Tintoretto à de Weyden, citada acima, perceberemos que a forte
espiritualidade e as incertezas, expressas na atitude da primeira (que
não inclui livro algum, e, pelo contrário, mostra um espaço
caótico e obscuro), contrasta com a serenidade e autoconfiança
da segunda (pelos aspectos organizado, acolhedor e bem iluminado do
espaço representado, reafirmados pela presença do livro).
Nos ambientes do jogo A Mansão de Quelícera estão
escondidas diversas páginas de um diário escrito pelo
personagem Tufik, que devem ser encontradas e lidas pelo jogador, já
que nelas encontram-se as pistas necessárias para compreender
os mistérios da Mansão.
Os
diários de personalidades históricas são uma importante
ferramenta para os historiadores, são registros do pensamento
e das memórias de homens e mulheres que marcaram as transformações
políticas, sociais ou culturais de épocas anteriores.
Com o tempo, a própria estrutura literária dos diários
pessoais transformou-se em um gênero literário. No século
XIX, em meio à tendência de aprofundamento psicológico
da obra romântica, surgiram as escrituras ficcionais redigidas
em primeira pessoa, o romance autobiográfico, em forma de carta
ou diário, nos quais o autor confunde-se com o personagem da
obra e o leitor identifica-se com ele. É o que Hauser chama de
"intimidade entre o público e seus heróis de romances",
vendo a obra como um flerte entre autor e leitor. Os heróis destes
romances não são idealizados, pois são mostrados
também em suas fraquezas, e as situações narradas
são plausíveis - daí a identificação.
Por todo esse passado e capacidade de simbolizar e transmitir o conhecimento,
paradoxalmente, como aponta Battles, as grandes bibliotecas são
os locais onde os livros sempre correram mais perigo de destruição,
já que elas se transformavam em uma referência estratégica
e um local de conflitos intelectuais. O que comprova esse fato é
que, nas guerras, as bibliotecas costumam ser um dos primeiros alvos
de ataque inimigo. Essa lamentável prática veio da Antiguidade,
persistiu na Idade Moderna, com a queima de livros humanistas pela Igreja
na Contra-Reforma,
e está em nossa história recente, como demonstra a queima
de mais de 100 milhões de livros pelos nazistas, o bombardeio
proposital da principal biblioteca de Sarajevo, na Bósnia, e
a explosão, por parte dos Talibãs, dos mais de 50.000
volumes de obras existentes na Biblioteca do Afeganistão.
Apresentação
do Site do Educador