A
Anunciação
Entre
os anos de 1564 e 1587, Tintoretto trabalhou em uma enorme série
de pinturas para a Escola de São Roque, construída entre
os anos de 1515 e 1549. Pertencente à fase em que se dedicou
exclusivamente aos temas religiosos, o conjunto dessa série reúne
quase todo o universo bíblico. Entre as imagens retratadas, temos
A Crucificação, que é destaque dentro da
trajetória do artista, e A Anunciação, imagem
aqui referida.
Tintoretto evoca nas imagens desta fase os antagonismos do sagrado através
de imagens de aspecto bastante místico, que transitam do assustador
ao belo e fascinante. Isto ficou marcado pelo anticlassicismo maneirista,
presente nesta imagem. O preenchimento do espaço é feito
de forma não simétrica, temos um amontoamento de formas
em partes da composição e, em outras, um vazio obscuro
(característica que prenuncia o estilo barroco, ver Despensa).
Nosso olho desloca-se em movimento diagonal, sugerido pela luminosidade
que penetra o cômodo e modela as formas, tanto as do corpo quanto
as do panejamento do anjo e da virgem. Tintoretto mantém aqui
a dramaticidade cenográfica, que beira a uma visão apocalíptica
do presente.
Esta obra é diferente de outras representações
deste tema, como a Anunciação
de Weyden, em que o Anjo Gabriel apresenta-se em um ambiente calmo e
harmonioso, um espaço fechado mas bem iluminado, em que vemos
apenas três paredes (sugerindo que o espectador está dentro
do ambiente, testemunhando o fato). A imagem de Weyden é coerente
com a “visão de mundo” do início da Idade
Moderna (sobre ideais artísticos renascentistas, ver
Hall), mas
não com a maneirista. Na abordagem de Tintoretto, as incertezas
suplantam a harmonia, o caos atordoa a virgem que se encontra em um
ambiente obscuro, sem luxo, em meio às ruínas de um prédio
possivelmente renascentista. É como se tudo estivesse indo abaixo.
Nas aberturas não há portas nem janelas, nada que resguarde
o espaço interno do externo, a passagem está livre. O
espectador consegue ver, ao mesmo tempo, ambos os espaços. Ele
não está dentro (como na obra de Weyden), mas também
não está fora. Ele encontra-se na zona de fronteira. Em
Weyden, o espectador é testemunha ocular, emocionalmente distanciada,
do momento mítico da anunciação. Até mesmo
a virgem mantém uma certa distância, serenidade, quando
colocada diante do anjo Gabriel. Já em Tintoretto, o espectador
compartilha com a virgem a angústia da experiência mística.
Mas, mesmo com toda a instabilidade sugerida pelo ritmo acelerado da
composição, subsiste uma ordem – um chão
precisamente quadriculado, a solidez e organização dos
móveis representados, o cortinado vermelho que envolve o espaço
da virgem –, alguma certeza sobreviveu ao furacão. Será
que Tintoretto nos fala de uma certeza racional? Agora questionada e
mantida em seus limites, sem querer sobrepor-se mais à fé?
Ou nos fala da ordem da própria fé? De qualquer maneira,
a ordem permanece dentro das ruínas. No espaço externo,
profano, o caos está instalado, resta apenas destruição
e desolação.
A Anunciação foi manipulada digitalmente e incorporada
ao jogo A Mansão de Quelícera
(ver Apropriação),
tornando-se o quartinho do Porão onde o Anão
se esconde. É aconselhavel conversar com este habitante, principalmente
quando estiver jogando com o personagem Raul.
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veja a imagem no jogo
Atualização em 30/01/2006.
Apresentação
do Site do Educador