São
raros os temas que se igualam em importância à iluminação
para as artes visuais. Essa importância varia conforme a época
e a singularidade da linguagem do artista.
Na pintura do Renascimento,
por exemplo, a luz foi tratada de forma ampla, ou seja, a claridade
predominava em toda a composição. Esta abordagem esteve
presente até mesmo em cenas ambientadas em um espaço interno
- como em O
sonho de Santa Úrsula, de Carpaccio. Assim,
permitiu a representação detalhada dos objetos e pessoas,
da natureza como um todo, e estava de comum acordo com as pretensões
naturalistas
e humanistas
da época, como podemos ver no detalhismo das paisagens de Botticelli
e no domínio anatômico nas figuras de Michelangelo.
O Renascimento valorizou o homem enquanto ser racional, que tudo vê
com "clareza" através do olhar objetivo da, então
jovem, ciência. Era a crença de que a razão nos
conduz a uma visão verdadeira do mundo. Tal concepção
se opunha à visão mística da Idade
Média, que desvalorizava o terreno e o humano em favor
das verdades divinas, inalcançáveis para o homem - pois
o Renascimento inaugurou uma visão profana de mundo que marcou
toda a Idade
Moderna (sobre composição renascentista, ver
Hall)
Mas no século XVI, a crença na razão foi questionada.
Nesse período, posteriormente denominado Maneirismo,
a luminosidade começou a ser abordada como um elemento individual,
com valor estético próprio, um recurso pictórico
- como podemos ver nas obras de Tintoretto
e El Greco.
Essa característica intensificou-se no período seguinte,
o Barroco,
no qual a luz adquiriu o status de um elemento visual autônomo,
portador de conteúdo artístico. O início do estilo
Barroco está relacionado à Contra-Reforma
e aos preceitos do Concílio
de Trento, e sua arte reafirmou a importância da devoção
entre os fiéis e a espiritualidade na cultura cristã.
Não foi um retorno ao misticismo contemplativo medieval, do homem
passivo diante das verdades de Deus, mas a valorização
do misticismo vivenciado, das revelações. A arte barroca
religiosa fala sobre as limitações do olhar objetivo,
científico e racional sobre o mundo. Ela revela e valoriza a
existência de uma subjetividade, um misticismo, uma espiritualidade
no homem. A imagem atua ali como meio de revelar a existência
do invisível, de tentar falar sobre o inefável, na medida
em que captura o instante crucial de uma experiência mística
(na vida de santos e personagens bíblicos) - sobre arte religiosa,
ver Claustro.
Tal
objetivo só pôde se concretizar através de um olhar
que percebia a imagem como algo além dos elementos representados
(temáticas, personagens, ambientes, etc.), um olhar que compreendeu
que a maneira como usamos os elementos formais (como cor, luz, linha,
profundidade e textura) constituem o conteúdo da obra. O modo
de fazer constrói o dizer. Essa arte ultrapassou o aspecto
narrativo, que ainda predominava na arte renascentista, sendo a luminosidade
o elemento fundamental para isso.
A luz costumava ser direcionada a uma parte da imagem, deixando o restante
banhado em escuridão. Em uma "obscuridade relativa"
na imagem (como defendeu Wolfflin), com a qual o artista revela e oculta
ao mesmo tempo, criticou-se a narração explícita
da arte renascentista defendendo que a claridade total desumanizava
o ser humano ao eliminar sua esfera mística. Podemos observar
isto tanto no barroco protestante de Rembrandt
e Veemeer,
como no barroco cortesão do espanhol Velázquez,
principalmente em seus retratos de anões, e no barroco católico
de Caravaggio - sobre composição barroca, ver Despensa.
A luminosidade barroca, que penetra em diagonal e banha um espaço
interno, foi uma importante referência para a criação
dos ambientes de A Mansão de Quelícera - como pode
ser percebido nos ambientes Porão, Masmorra,
Banheiro, Sótão,
Quarto e
Despensa.
Quanto a este último ambiente, inclusive, ele foi criado a partir
de uma obra renascentista, São
Jerônimo em seu estúdio, de Messina, que
trabalha com uma luminosidade ampla. Quando nos apropriamos
e manipulamos digitalmente a imagem, inserimos uma luz barroca, direcionada,
a fim de conseguir um cenário coerente com o "clima"
daquele ambiente da Mansão. Depois da manipulação
esta imagem perdeu completamente as características da luminosidade
renascentista, estando muito mais próxima da estética
do período barroco. Outras imagens também apropriadas
já traziam, em seu original, a luminosidade misteriosa coerente
com o jogo, como podemos ver no Quartinho do Anão (Porão),
feito a partir da obra A
anunciação, de Tintoretto.
Além da luminosidade que penetra o ambiente por uma abertura,
utilizamos o recurso de pequenas fontes luminosas espalhadas pelos diversos
ambientes do jogo: tochas, lamparinas, velas, etc. Muitas destas também
são frutos de apropriação: a lamparina e o espectro
dos anjos da obra A
Última Ceia, de Tintoretto, em um dos corredores
da Masmorra; a vela do Hall, retirada da obra A
cadeira de Gauguin; e a lamparina que está nas
salinhas da masmorra, apropriada da obra Os
comedores de batatas, ambas de Van Gogh.
Outro
recurso utilizado na iluminação da Mansão foi o
vitral,
como podemos ver no Claustro
e Salão de
Baile. Os vitrais
foram um meio artístico fundamental na arte gótica,
principalmente nas igrejas, onde tinham por finalidade construir um
clima favorável à espiritualidade.
Atualização
em 30/01/2006.