A
temática do ciclo da vida (nascimento, maturidade, velhice e
inevitável morte) foi uma constante em imagens alegóricas
criadas no contexto final do período medieval e início
do moderno, marcando uma transição cultural, antes voltada
para a esfera celeste, depois para o mundo terreno, humano. É
destacada agora por estar relacionada com uma série de obras
apropriadas em A Mansão
de Quelícera.
Este
temafoi tratado desde a Grécia Antiga, nas Moiras, e da Roma
Antiga, nas Parcas. Em ambos os casos, são três irmãs
que regulavam a duração da vida, desde o nascimento até
a morte, através de um fio que a primeira irmã tecia,
a segunda enrolava e a terceira cortava, quando a existência chegava
ao fim. A própria imagem da roda de fiar, que se relaciona com
a imagem da Roda em si, está associada ao vir e devir dos fatos,
felizes e trágicos, vividos pelo homem ao longo de sua vida.
De
forma semelhante, a imagem simbólica do Ciclo da Vida sempre
esteve relacionada com a dos Ciclos Agrícolas - razão
pela qual a imagem da Morte é representada com a foice. Esse
instrumento iguala, no momento do corte, a erva boa e a má, isto
é, não discrimina na ceifa o bom e o mau, tal como a morte,
que vem para todos. A foice de cabo longo, ou alfanje, começou
a surgir na iconografia
da morte apenas no século XIII. Antes a foice de cabo curto predominava,
fazendo referência ao Antigo e ao Novo Testamento. No século
XVI, Cesare
Ripa recapitulou indicações iconográficas
de séculos anteriores e encontrou no Antigo Testamento, no texto
do Profeta Amós, a imagem da morte segurando em uma mão
o alfanje e na outra um recolhedor de frutas na forma de um pau com
um gancho na ponta, evidenciando que a morte ceifava tanto os que estavam
na baixa quanto os da privilegiada escala da sociedade, tanto as ervas
como os frutos mais altos, protegidos do alfanje na copa das árvores.
A idéia de nascimento na história da arte ocidental normalmente
não possui uma representação iconográfica
que a relacione com o Ciclo da Vida. Suas representações
se limitam à imagem da própria infância (geralmente
um bebê ou uma criança). Assim também a maturidade
(freqüentemente associada ao casamento) e a velhice são
representadas pela própria figura humana nesses estágios
da vida. Já a figura que representa a morte tem um caráter
eminentemente trágico. Ela foi recorrente nos estilos Gótico
e Gótico
Tardio, com algumas distinções: no Gótico
a figura geralmente aparecia coberta por uma capa com capuz, destacando
a imagem da foice e o aspecto misterioso do personagem que a carrega;
no século XV, acompanhando as tendências mais naturalistas
e realistas
da arte da época, a morte deixou de vestir uma capa e passou
a mostrar seu caráter cadavérico na forma de um esqueleto
ambulante. No Gótico Tardio diminuiu-se o mistério da
figura e intensificou-se seu aspecto dramático. Um dos artistas
que se destacou nesse segundo contexto é Baldung,
em obras como Jovem
e a Morte.
Outra
obra de Baldung que aparece no jogo é As
Três Idades do Homem e a Morte, base para o desafio
"Enigma das 3 Idades", no qual o bebê, a jovem e a morte
desta pintura atuam como personagens em 3 quartinhos distintos. A coruja,
presente na pintura, tornou-se um habitante da Mansão (Coruja)
que fica no Claustro e dá dicas aos jogadores. Temos ainda a
obra O Cavaleiro,
a Moça e a Morte, que aparece como imagem em um livro
no Hall, também ajudando a contar um pouco do misterioso passado
de Quelícera.
Se no norte europeu do início da Idade
Moderna a temática relacionada à morte apareceu
com freqüência, no sul, com o Renascimento
italiano, ela esteve quase ausente. Na medida em que Roma começava
a viver um clima conturbado, no início do século XVI,
que levaria ao Maneirismo,
a representação do momento final voltou a ter importância
- aqui não mais como alegoria, mas como modo de falar das angústias
humanas. O fragmento de uma das imagens mais impactantes relacionada
à temática da morte e a esse momento histórico,
pode ser observado no Hall: O
juízo final, de Michelangelo, no qual o personagem
representado expressa a angustia existencial vivida no momento do julgamento
final.
Em A Mansão de Quelícera podemos apreciar outras
obras, mais recentes, que remetem à simbologia da morte, como
as caveiras retiradas de obras de Redon, van Gogh, Cézanne e
Weyden. Mas, ao contrário do que muitos imaginam, a caveira não
possui uma simbologia apenas negativa, por sua associação
com a morte. Em inúmeras lendas européias e asiáticas
o crânio é associado à abóbada celeste, e
sua imagem com aquilo que sobrevive após a morte da carne, como
a alma e o conhecimento deixado às gerações futuras.
Por isso sua presença é bastante freqüente ao longo
da história da arte. Tal entendimento pode ser usado para interpretar
a presença subliminar de uma caveira na obra Os
embaixadores, de Holbein, na qual vemos uma forma "estranha"
que se projeta no chão. Na imagem parece uma mancha alógica
naquele contexto. David Hockney, no entanto, manipulou a forma digitalmente
e mostrou que se trata da imagem de uma caveira distorcida, efeito que
o deslocamento da posição de um espelho refletor pode
provocar. O autor interpreta esta imagem como uma pista que Holbein
nos deixou sobre os procedimentos técnicos (uso de lentes e espelhos,
a fim de obter um maior naturalismo nas representações)
que ele e seus contemporâneos utilizavam.
Atualização
em 30/01/2006.